Este blog é um conjunto de colunas que escrevo.

(Péssima introdução, mas leiam mesmo assim!!)

Divirtam-se e por favor, COMENTEM!





Columns 4-Um baile de máscaras


É raríssimo sairmos com nosso rosto verdadeiro para as ruas, simplesmente porque seria doloroso demais e ele voltaria cheio de cicatrizes. Por isso raramente expomos nosso verdadeiro “eu” para o mundo, ou uma pessoa sequer; é preferível ferir a máscara ao único e insubstituível rosto. Até mesmo a pessoa de cara amassada de sono e de domingo que vai buscar o jornal na banca está usando uma máscara. Não que seja um trabalho muito exaustivo, é mais um instinto; colocamos instintivamente nossa máscara ao sairmos do nosso espaço único e privado.
Temos um repertório imenso de máscaras adequadas para todos os tipos de situações: as máscaras cara de tou-pegando-meu-jornal-na-banca-num-domingo, cara de não-enche-no-metro-na-segunda, cara de este-sou-eu-sendo-simpático-no-primeiro-dia-de-trabalho, cara de este-sou-eu-sendo-chato-com-o-mala-qualquer-que-está-me-irritando, cara de este-sou-eu-impaciente-na-fila-do-macdonalds... São inúmeras caras e máscaras que utilizamos com pessoas desconhecidas, até mesmo com amigos, com chefes, colegas, com companheiros de fila, com atendentes do supermercado: sempre passamos uma imagem.
Agora, se sempre colocamos uma máscara, isso não significa que sempre temos a possibilidade de escolher com antecedência a máscara que vamos usar. Às vezes, a maioria das vezes, aliás, somos pegos desprevenidos e vestimos a máscara que nosso primeiro instinto manda; por isso que às vezes nos assistimos fazer papel de bobo, completamente impotentes e incapazes de fazer qualquer coisa a respeito dessa situação constrangedora e aflitiva. Claro que somos nós falando, mas através da máscara que colocamos e as palavras conforme ao personagem interpretado pela máscara não são exatamente as que gostaríamos realmente de dizer. Por isso nem sempre acreditamos no que fizemos ou estamos fazendo, mas é como se o mecanismo já estivesse ligado e só pudéssemos sair daquela máscara uma vez que a bateria tiver acabado. E lá vamos nós passando a imagem que não queríamos passar.
Mas não usamos máscaras porque somos hipócritas, nem apenas por que somos covardes e queremos preservar nosso “eu” puro e sincero para pouquíssimas pessoas, mas por que vivemos num mundo de aparências. Onde tudo é sobre o parecer e nada é sobre o ser. Somos escravos das aparências. Não que isso seja inteiramente ruim, é claro, é o que permite que toda a sociedade funcione devidamente. Existe um acordo secreto que exige o respeito das aparências de todos por todos. As próprias regras de etiqueta são convenções que garantem o cumprimento das aparências: você pode não gostar da fulana-de-tal, mas vai agradecê-la pelo presente do mesmo jeito (afinal de contas ela também respeitou o código comparecendo à festa).
Regras de etiquetas não são flexíveis, você não as usa com quem quiser ou quando bem entender; elas não são relativas, são imperativas: você deve por que deve, e não há discussão possível por que se você por acaso não agradecer quando tiver que agradecer você está errado, não importa o que a pessoa fez para merecer isso, você errou. Mas isso é apenas um parêntese sobre um assunto também muito importante, mas que não é o tema da coluna de hoje.
Voltando às aparências. Somos sim escravos das aparências e nossa vida toda se desenrola tendo como plano de fundo as aparências. Passamos uma imagem de acordo com a circunstância e nosso humor, mas isso por que ninguém se mostra nu: mostramos-nos mascarados. E é por isso que tudo funciona, por que chegamos a conclusão de que todos nós mostramos a mesma coisa: a máscara. O que é curioso é que exibimos uma máscara até mesmo para pessoas com quem não estamos conversando e nem pretendemos conversar: num restaurante, por exemplo, estamos passando uma imagem não apenas para as pessoas na nossa mesa, mas também para os garçons e os outros clientes do restaurante. E temos plena consciência disso, sabemos que podemos estar sendo observados, ouvidos, julgados.
Ai está: o julgamento. Eis o motivo da máscara. Se julgarem você, ao menos é uma de suas numerosas máscaras (que, claro, é parte de você, mas não você inteiro). Shakespeare costumava analisar essa questão do parecer em suas peças de teatro. Quando Mercúcio de Romeo e Julieta diz:
“Alcancem-me algo com que esconder meu rosto! Uma máscara para outra máscara! Que importa que os olhares alheios e curiosos observem minhas deformidades? Aqui está a carranca que irá envergonhar-se por mim!”
Releiam o que nos diz mestre Shakespeare: vale mais do que ouro.
Escondemos nossas deformidades e deixamos apenas as pessoas que amamos profundamente verem-nas profundamente. Nós mesmos chegamos a nos assustar com nosso ser. Como estamos mais acostumados a exercer o parecer do que o ser, temos mais facilidade em conviver com nosso parecer. Já o ser, vem acompanhado de muitas surpresas, medos, inseguranças, e descobertas magníficas... Que alegria podermos nos esconder e defender dos olhares que tanto gostam de julgar!... Vivemos num constante, belo e eterno baile de máscaras. Mas e que alegria sentimos ao despir nossa máscara, e finalmente deixar respirar nosso próprio e incompreendido “eu” e mostrá-lo apenas para quem julgamos merecedor e corajoso o suficiente!...