Este blog é um conjunto de colunas que escrevo.

(Péssima introdução, mas leiam mesmo assim!!)

Divirtam-se e por favor, COMENTEM!





sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Mudança de site

Olá! Criei um novo site, de agora em diante as colunas vão ser publicadas nele, então por favor acessem: thaischauvel.wordpress.com !! Vejo vocês lá!

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Pensar ou não pensar, eis a questão

A cidade de Atenas valorizava acima de tudo o ato de pensar. Foi a importância atribuída a esta atividade que permitiu o nascimento da tão conhecida democracia ateniense. Este incentivo à reflexão também contribuiu para o desenvolvimento de importantes filósofos como Sócrates e Platão. De fato, um bom ateniense devia possuir uma quantidade generosa de escravos que lhe permitisse levar uma vida dedicada ao pensamento e não ao trabalho. Os escravos trabalhavam, e os mestres tinham tempo para pensar. Tal era a lógica ateniense.

Hoje em dia o nosso uso da tecnologia tende a diminuir consideravelmente o tempo que dedicamos aos nossos pensamentos. É verdade que estamos raramente sozinhos, e quando o estamos de fato apelamos depressa para computadores, televisões, livros, filmes, Ipods, e nossos amigos personagens de séries americanas. Você pode até ficar duas horas sozinho no seu carro, mas ao invés dedicar este tempo aos seus pensamentos, você acha preferível concentrar-se na música insuportavelmente irritante daquele pivetezinho metido a artista, dos espertos Black Eyed Peas, ou então dos velhos, porém imbatíveis, Beatles. E quando você se encontra na sua cama atormentado por uma terrível insônia, você resolve encontrar-se com seus amigos Henrique VIII da Inglaterra, Carrie, ou então Dr. House (embora depois de um certo tempo na companhia deste último amiguinho seja mais provável que você não consiga voltar a dormir, desta vez atormentado por pensamentos hipocondríacos).

Na Antiguidade grega o correto era pensar. Arrumavam-se escravos para que os mestres pudessem ter mais tempo livre e usá-lo para refletir. Hoje em dia, não se pode negar que os homens andam ocupados demais para pensar, e quando surge um momento livre raramente o usamos para este fim. Pensar demais, ou pensar de menos, qual dos dois extremos é melhor, ou pior?

Parece difícil encontrar um equilíbrio saudável. Entre os gregos dedicados unicamente a reflexão metafísica e os indivíduos das sociedades ocidentais do século XXI apressados demais para dar ouvidos aos seus pensamentos, o que devemos escolher? É claro que à primeira vista pode parecer mais preocupante o caso no qual se enquadra nossa sociedade atual. Afinal de contas, se as pessoas deixassem, por cinco minutos, de ouvir seus Ipods e se concentrassem minimamente para analisar uma determinada situação, um determinado discurso, um determinado artigo de jornal, ou até mesmo um determinado capítulo de novela, o senso crítico dos indivíduos de hoje aumentaria consideravelmente tornando as pessoas mais interessantes e menos manipuláveis e idiotas.

Porém, não se pode negar que pensamentos podem ser assustadores. De qual outra maneira justificamos o fato dos nossos sonhos serem tão enigmáticos quando, na verdade, poderiam ser perfeitamente compreensíveis? Logo no início do século XX, Freud descobriu que nosso sistema psíquico possui uma censura, que cuida da delicada e importantíssima tarefa de dissimular sonhos. A censura transforma as pessoas, os lugares com os quais você sonhou, e efetua elipses de modo que seu sonho se torne algo leve ou completamente incompreensível. Assim, você acorda atordoado tentando entender o que você estava fazendo num shopping com seu avô que de repente se transforma na sua melhor amiga que pergunta apressadamente se ainda há salmão na geladeira que subitamente se materializou no saguão do shopping, transformando-o instantaneamente na cozinha da sua mãe. Pois bem, você provavelmente não estava sonhando nem com seu avô, nem com sua melhor amiga, a censura se encarrega de mascarar pessoas e lugares de modo que você não consiga entender com o que estava sonhando: existem coisas que simplesmente não devemos saber sobre nós mesmos, pensamentos que nos enlouqueceriam caso soubéssemos que fazem parte de nós. Se nosso próprio inconsciente cuida para que certos pensamentos nunca nos sejam revelados, isso significa que pensar pode ser perigoso e assustador.

E de fato, não há momentos em que você pensa demais? Sabe aqueles “breves” minutos em que você espera pelo seu namorado no metrô e acaba pensando um pouquinho além do que deveria? Em geral, após esses breves instantes onde seus pensamentos voam longe demais, você se sente levemente melancólico. Você pode ter pensado em qualquer coisa, não importa. Você pode muito bem ter pensado nos mendigos que morrem de frio no inverno porque não tem onde dormir, e meu, que coisa mais absurda e triste, ou você pode ter relembrado a morte de um parente querido do qual você sente uma imensa saudade, ou até mesmo de detalhes mais supérfluos do seu cotidiano, como o comentário maldoso de uma pessoa desagradável, ou a briga que teve com sua amiga. Não importa, o resultado é o mesmo: você pensou demais, e agora está triste.

Alguém certa vez disse, « Heureux les simples esprits ». Expressão francesa que pode significar muitas coisas, inclusive: felizes são aqueles que não pensam. Verdade que, de acordo com o Voltaire, se você pára por alguns minutos para pensar no mundo e nas suas desgraças, não tem jeito que você seja feliz. Quer dizer, a menos que você seja uma pessoa muito hipócrita que consegue aplicar uma técnica de distanciamento brechtiano ao mundo real; ou seja, considerar que as misérias do mundo não passam de coisas acontecendo num palco a milhões de quilômetros de distancia de você, e você está apenas assistindo e isso não pode afetá-lo. Aliás, pensamentos que giram em torno da degradação e corrupção da raça humana, do aquecimento global e da extinção de muitos bichinhos fofos e agradáveis, da pobreza atordoante e fome na África, não são os únicos a gerar angústia. Se você parar dois segundos para refletir sobre si mesmo, a probabilidade de você ficar muito deprimido é alta. Pô, você é um monstro. É sério.

É claro que por outro lado, existem aqueles que alegam preferível ser um Platão miserável a um bobo feliz. É melhor sofrer do que ser sujeito a ignorância completa. O que seria de nós sem as brilhantes mentes que pensaram e fizeram o mundo evoluir? Matemáticos, filósofos, arquitetos, sociólogos, médicos, historiadores, físicos, artistas mudaram o mundo, as sociedades e as mentalidades. É essencial exercitar a mente, pensar, refletir sobre si mesmo, os comportamentos do ser humano, os problemas geopolíticos, os debates bioéticos, as questões metafísicas, soluções para o trânsito, e propaganda política... Os seres humanos precisariam analisar mais as coisas, ter um senso critico mais apurado combinado com cultura suficiente a fim de saber quando os outros as estão chamando de idiotas, ou mesmo falando besteira.

Mas isso não é tudo, é preciso sair um pouco do individualismo exacerbado onde vinte pessoas se encontram no mesmo vagão ouvindo vinte músicas diferentes cada um isolado por seu próprio Ipod, e colocar as pessoas para pensar um pouquinho, só um pouquinho. Como alguém pode considerar-se realizado sendo completamente alienado? Não exercitar a mente e a reflexão emburrece.

Porém, se relutamos tanto em deixar nossos Ipods é justamente porque nos assustamos com o que podemos ouvir dentro de nós. Uma vozinha crítica que antecede o remorso, por exemplo. O autoconhecimento é uma empreitada assustadora, que muitos preferem ignorar; enxergar o mundo e suas desgraças também exige muita coragem. Como é possível sobreviver pensando o tempo todo? Não dá. Pensar faz mal: entristece e enlouquece. É por essa razão que deixar uma pessoa sozinha em frente a uma parede branca é uma tortura emocional aterrorizante: o indivíduo enlouquece com seus pensamentos.

E então, pensar ou não pensar, eis a questão? Alienar-se ou enlouquecer-se?

Talvez o certo seja simplesmente tentar encontrar um equilíbrio saudável entre o pensar de menos e o pensar demais. Entre a alienação e burrice, e a exageração da racionalidade e do pensamento. Parar um pouquinho para pensar, tirar o fone do ouvido durante alguns momentos ou desligar a tevê para pensar sobre os acontecimentos do dia, o que eles revelam sobre nós e sobre a nossa sociedade, como está o mundo.

Mas não exagere; quando estiver soterrado pelos seus próprios pensamentos, deprimido no seu quarto, pelo amor de Deus, pare de pensar. Vá correr, pense apenas em colocar um pé na frente do outro, sinta o vento, esqueça de tudo, das pessoas, das estrelas e da água. Pense no mais simples: não pense. Viva. Sinta seu corpo, suas emoções, a energia presa em você aflorar e libertar-se. Sinta. Não pense mais no que você é, simplesmente seja.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Columns 7- Les petits plaisirs

Embora sejamos todos muito diferentes, temos que admitir que temos um mesmo objetivo: a felicidade. Claro que, por sermos diferentes temos opiniões distintas sobre o que é de fato a felicidade e como se deve proceder para alcançá-la, mas isso não importa, o que importa é que todos os seres humanos (salvo raríssimas exceções creio eu) buscam uma única coisa ao longo de suas vidas: uma coisa que atende pelo nome de felicidade. Fato curioso uma vez que a felicidade propriamente dita não existe. Ela é apenas uma idéia, um conceito. É engraçado constatar que vivemos em função da busca por uma idéia, logicamente, abstrata.

A felicidade corresponde a um estado de satisfação completa e eterna, entendeu por que ela é apenas uma idéia? Um estado de satisfação completa já é muito difícil, e não é porque somos pessimistas inveterados ou por que a natureza humana é regida por uma insatisfação que nunca sossega, mas simplesmente por que é raro termos todos os aspectos de nossas vidas perfeitos; este estado de satisfação completa é aquilo que chamamos de “alegria”. Qual a diferença entre a alegria e a felicidade? A alegria corresponde a um momento a felicidade não tem nenhuma temporalidade, ela é eterna, perpétua. Em tendeu agora por que ela não existe? Não é por má vontade da nossa parte, é por que a felicidade é apenas um conceito, ela é aquilo que todo ser humano aspira, mas nenhum jamais irá de fato atingir. Como se fosse uma pulsão, é a procura deste estado de satisfação plena e eterna que nos move, e também é uma procura insana: não faz sentido você procurar por algo que não existe, por algo que não passa de uma idéia.

E pense bem: passamos nossa vida imaginando como vai ser quando formos felizes. Que imagem temos da felicidade? Em geral essa felicidade é uma certa segurança, uma tranqüilidade, uma estabilidade... E é verdade que imaginamos que uma vez atingida a felicidade, ela vai durar para sempre. O sofrimento vem antes, é o esforço para conquistar aquilo que vai nos trazer a felicidade, e uma vez que tivermos tudo aquilo que deve nos dar a tão esperada e odiada e idolatrada felicidade, então seremos felizes. Se encararmos as coisas dessa maneira, nunca poderemos ser felizes... Temos sempre que ter um projeto, precisamos nos manter ocupados, precisamos sempre de um sonho que nos mantenha vivos e ativos, caso contrário por que viveríamos? Uma vez que atingimos um objetivo, sentimos a necessidade de buscar outra coisa que possa nos ocupar e dar um sentido a nossa vida. Como dizia Sartre: somos os seres do projeto. É normal, nos projetamos no futuro para sabermos o que fazer no presente. Viver é isso, viver é viver por uma razão, por um objetivo a ser atingido: ninguém quer uma vida desprovida de sentido. Ou seja, uma vez atingida à dita felicidade, não poderíamos ser felizes, seríamos invadidos por uma angustiante e desesperadora sensação de vazio e de tédio. Um leve desespero, é isso que encontraríamos se conseguíssemos ter absolutamente tudo e não desejássemos mais nada, e não a felicidade.

Mas se mudarmos nosso modo de ver a felicidade, talvez possamos parar com essa obsessão de buscar incessantemente algo que não existe e simplesmente sermos felizes. Penso que a vida é feita de momentos, por isso acredito na alegria e não na felicidade. Também acredito que a alegria pode justificar nossa existência, e que não precisamos da felicidade, mas sim de nos sentirmos felizes (o que não é exatamente a mesma coisa...). A alegria é um momento de prazer. Talvez uma vida feliz seja uma vida de pequenos prazeres. Todos nós temos pequenos prazeres, coisas ridículas que nos fazem felizes durante 2 segundos, 2 minutos, 5 minutos, 20 minutos, 1 hora... Eu por exemplo adoro grampear coisas. Ridículo, né? Mas juro que sou uma pessoa felicíssima quando grampeio coisas. Adoro pintar minhas unhas, amo o barulho dos dedos batendo no teclado do computador, adoro o barulho de máquinas fotográficas, adoro tomar leite com chocolate de colherzinha... E conheço pessoas que amam tomar um banho muito frio quando está muito calor, outras que adoram passar esmalte nas unhas só para duas horas depois tirar tudo sozinha sem acetona, pessoas que gostam de gelatina com banana, pessoas que gostam de enterrar os pés na areia da praia, pessoas que gostam de enfiar a mão num saco de grãos...

Tive um dia muito ruim, lei de Murphy. Tudo, mas tudo deu errado: estava atrasada para o trabalho, não tinha comido café da manhã, não tinha dinheiro, fui pro banco correndo, cheguei lá ele estava “inoperante”, fui até outra agência correndo não consegui sacar dinheiro, fui consertar óculos e a máquina da loja ainda não estava aquecida o suficiente, cheguei atrasada no trabalho... No trabalho tudo que tinha para dar errado deu errado. Enfim! Um dia impossível, daqueles que você se pergunta que merda você deve ter aprontado em suas vidas passadas para merecer tanta desgraça em tão pouco tempo. Mas quando eu estava na rua apressadíssima procurando desesperadamente um taxi, consegui pegar um taxi vazio que estava parado no farol e que me conhecia de longa data e que me deu uma carona de volta para casa. Também acabei comendo um pão de queijo absolutamente delicioso, ganhei um chocolate, e bebezinho lindo se apaixonou por mim e me deu um monte de sorrisos.

Penso que ser feliz é ser capaz de enxergar essas coisas gostosas e boas que acontecem com a gente. Não ser um otimista chato que vê coisa boa onde não tem. Ser feliz não é ser capaz de dizer: “olha o banco tava inoperante e depois não deu pra sacar dinheiro então você ficou com fome, mas pensa que foi melhor assim”, melhor assim porra nenhuma. Foi um saco o banco estar fechado, passei fome, perdi tempo, cheguei atrasada e levei bronca: grande B...! “Olha você brigou com seu namorado, mas foi melhor assim por que ele realmente...” Melhor assim o cacete! Tou péssima, isso sim... Ser feliz não é inventar que tem coisa boa onde não tem. Ser feliz é ainda com todas as coisas chatas que podem te acontecer você ainda ser capaz de enxergar aquilo que é bom de verdade. Aquilo que realmente é legal no meio de um dia de merda.

Quando um dia é ruim, raramente é por que uma tragédia terrível aconteceu. Em geral quando seu dia foi ruim não é por que seu avô morreu, por que você foi despedido, ou por que você foi atropelado. Em geral seu dia foi ruim por que choveu pra caramba, e estragou toda sua roupa, por que você acabou perdendo o ônibus e o próximo chegou lotado todo fedido e molhado, enfim! Quando um dia é ruim é por que pequenas coisas o estragaram. Talvez ser feliz é simplesmente ser capaz de enxergar as coisas verdadeiramente boas que aconteceram com você. Não coisas boas naquilo que foi ruim, mas pequenas coisas boas, elas não são tão insignificantes assim. Está triste? Vai pintar as unhas, grampear papel...

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Columns 6- Elizabeth Bennet? Eu?

No romance Orgulho e Preconceito de Jane Austen, a personagem Elizabeth Bennet recusa a proposta de casamento do Mr. Collins, um homem ridículo, tolo, e absolutamente entediante. Em pleno começo do século XIX, na Inglaterra vitoriana, uma mulher com pelo menos 20 anos de idade (leia-se: relativamente velha para ainda ser solteira), sem um dote particularmente interessante, diz não a um casamento (tradução: diz não a uma perspectiva de futuro, certo, entediante, porém seguro e relativamente confortável, apesar dos pesares). A heroína do romance diz não num momento em que não é possível dizer não, em que não aceitar uma proposta de casamento generosa NÃO É uma opção, ou seja, Lizzy fabrica uma escolha a partir do que ela deseja.

Elizabeth Bennet se dá a oportunidade de escolher até mesmo quando não há escolha possível. Uma atitude admirável para nós, leitores do século 21, que ao longo do século XX, aprendemos a valorizar acima de tudo aquilo que chamamos de escolhas. Valorizamos as escolhas porque elas representam a suposta Liberdade.

Funcionamos de acordo com um lema muito simples: liberdade é escolher. Escolher é afirmar sua liberdade, é ressaltar a vontade individual do sujeito. O indivíduo tem autoconhecimento suficiente para determinar aquilo que deseja, e ele é livre justamente por que pode dar-se ao luxo de escolher. Sartre costumava dizer que o ser humano se constrói. Ninguém existe simplesmente; o homem se define a partir de suas ações, e suas ações são frutos de suas escolhas, o que significa que o homem é aquilo que ele escolhe ser, aquilo que ele deliberadamente e em plena liberdade, escolhe fazer. Você é aquilo que você faz. Não aquilo que você pensa, mas aquilo que você realiza concretamente. Você é o que você escolheu.

Infelizmente, apesar de esta idéia ser muito bonita e mostrar que a responsabilidade de quem se é depende inteira e unicamente do individuo, as coisas não funcionam exatamente do jeito que Sartre previu. Temos, de fato, uma variedade impressionante e até mesmo insana de escolhas. Você escolhe entre 15 mil tipos diferentes de café: mocha, latte, descafeínado, expresso, com chantilly, com açúcar, sem açúcar, com adoçante... Açúcar granulado, açúcar de cana-de-açúcar, açúcar de beterraba, açúcar refinado branco... Passamos nossa vida escolhendo coisas absolutamente superficiais, desprovidas de qualquer importância, e que nos tomam um tempo absurdo. Escolher nosso café no Starbucks ou escolher um filme para alugar entre os 11 mil filmes disponíveis na locadora nos proporciona uma sensação de poder. Temos a impressão de escolhermos tudo e qualquer coisa; dominamos e controlamos tudo que passa por nós.

Um belo dia, resolveu-se que o número de canais de televisão deveria aumentar: passando de apenas um canal para três. A decisão suscitou violentos debates, alguns alegavam que passariam mais tempo escolhendo o programa de televisão do que assistindo de fato o programa, outros explicavam que sérias brigas de família poderiam ocorrer, já que um membro poderia querer ver um filme e enquanto outro preferiria assistir a novela, e o que costumava ser um momento de família unida assistindo a uma mesma coisa se transformaria em quatro pessoas emburradas e desinteressadas assistindo uma tela. Hoje em dia existe uma coisa que atende pelo nome de “Tevê a Cabo”, uma coisa que disponibiliza cerca de 250 canais. Para quê diabos servem 250 canais? Será que existe alguém no mundo que assista tanto televisão que precise de 250 canais? Apertamos 250 vezes no controle remoto até darmos uma olhada na totalidade dos canais e termos mais ou menos uma idéia do que poderíamos assistir. Esses 250 canais não são para aumentar a liberdade do homem e fazer com que ele possa escolher um entre 250 programas, esses 250 canais existem para ajudar as pessoas que não sabem escolher. Na maioria das vezes, acabamos assistindo simultaneamente três programas, pulando de canal para canal durante os intervalos respectivos. Isso não se chama escolher, não se chama dominar as escolhas e realizar suas vontades e seus desejos, se chama ser escravo de uma avalanche de opções mínimas e pouco importantes.

A inconveniente verdade, é que vivemos a partir daquilo que é possível fazer e não do que podemos ou queremos fazer. Escolhemos entre opções aceitáveis para o meio onde vivemos. Escolhemos dentro daquilo que a sociedade fornece como uma escolha possível, e não dentro daquilo que nós mesmos determinamos como escolhas interessantes e plausíveis. No fundo, não há essa suposta liberdade ilimitada de escolhas, há somente uma profusão de opções para escolhas supérfluas. Como não somos capazes de escolher fazer algo realmente importante, nos consolamos com um passatempo chamado “brinque de escolher coisas irrelevantes”. O que Elizabeth Bennet fez no romance de Jane Austen é impossível até nos dias de hoje, por que se Lizzy materializou seu desejo criando uma opção alternativa que lhe permitisse de fato escolher se queria ou não casar-se com Collins, nós, reles mortais, não somos corajosos o suficiente para criar nossas opções em função de nosso potencial ou desejo... Por enquanto, somos apenas corajosos o suficiente para conseguirmos escolher entre aquilo que nos é oferecido como escolha.

(E cá entre nós, ainda bem!)

sexta-feira, 26 de março de 2010

Columns 5- A pequena sereia

Mulheres deveriam se revoltar. Não somente por que foram injustamente tratadas durante, não apenas anos e mais anos, nem mesmo séculos e mais séculos, mas milênios e mais milênios (ou pelo menos cinco deles), mas também por serem enganadas.

Sim, corajosas mulheres de 1914 tiveram a audácia de fumar cigarro, ato de exclusividade masculina na época, o que significa que a mulher que fumava um único cigarro provocava aberta e imediatamente os homens e suas regras usurpando seus privilégios (lembre-se da Rose em Titanic). Estas mulheres fumantes reivindicavam direitos como o voto e independência financeira. Nos anos oitenta, mulheres passaram a usar ombreiras e a desprezar qualquer ser do gênero masculino que se oferecesse para pagar a conta do jantar. Conquistaram um espaço no competitivo mundo do trabalho e saíram por aí, revoltadas e ávidas para vingar-se dos insultos misóginos que suas companheiro de gênero sexual tiveram que ouvir durante milênios e mais milênios (ou pelos menos cinco deles).

O que raramente pensamos é que quem era responsável pela educação dos homens e das mulheres eram, salvo poucas exceções, mulheres. O que significa que o comportamento recluso das mulheres era ensinado por mulheres, da mesma forma que os misóginos estúpidos também eram criados por mulheres. O que basicamente significa que, de certa forma, a propagação da sociedade machista se fazia graças às próprias mulheres!... Insano, não? Que mulheres bobas, podemos pensar, mas às vezes me pergunto se a situação é tão diferente assim hoje em dia... Não em relação ao tratamento injusto, mas em relação à enganação.

De fato, como ia dizendo o sexo feminino deveria unir-se e revoltar-se não apenas devido ao tratamento injusto e vergonhoso que elas agüentaram durante milênios e mais milênios (ou pelo menos cinco deles), mas também por que são enganadas. Enganadas por quem? Por elas mesmas!

Desde pequenas meninas são criadas para sonhar com um príncipe encantado. Um príncipe forte, bonito, corajoso, e honrado, que esteja disposto a enfrentar um dragão e libertar a doce princesa encarcerada na torre mais alta do castelo amaldiçoado. Conforme vai crescendo, a doce princesa se transforma numa princesa com TPM (o que a faz se parecer cada vez mais com o dragão e cada vez menos com a princesa), e o príncipe forte, bonito, corajoso e honrado vira um príncipe com espinhas, depois um príncipe safado e galinha, depois um príncipe casado (com outra princesa de TPM) ou salafrário (quem sabe com várias outras princesas de reinos muito muito distantes). Ou seja, no fim da história os dois personagens principais sofreram graves mutações e não há mais princesa, e muito menos príncipe.

Com a idade, a inabalável fé em contos de fadas (leia-se: inabalável fé no príncipe encantado) se evapora, e a princesa de quatro anos cede seu lugar a uma cética e desconfiada mulher de 20 e poucos anos... O problema é que estes malditos contos de fadas foram tantas e tantas vezes repetidos para tantas a tantas gerações de mulheres que praticamente já fazem parte do DNA da cética e desconfiada mulher de 20 e poucos anos. O que faz com que, por mais cética e desconfiada que seja, a mulher ainda possui uma tênue e escondida fé no príncipe encantado. Mas não tem jeito: príncipes encantados vivem no lindo e maravilhoso, porém inexistente mundo dos contos de fadas, e as princesas de TPM vivem no frio difícil e cruel mundo da realidade. Do mesmo jeito que Emma Bovary foi levada a acreditar na existência inexistente de um homem elegante, sensível, corajoso, honrado, e inteligente, as mulheres do dias de hoje também são treinadas para acreditar na existência de algo que não existe e não pode existir (enganadas!). E treinadas por quem? Pelas outras mulheres. No livro Madame Bovary, a personagem romântica morre por que não pode sobreviver num mundo realista, na vida real e atual, as mulheres sobrevivem às decepções, frutos de convicções tiradas dos contos de fadas, com a ajuda de outras mulheres que reforçam essas mesmas convicções (“não se preocupe, ele vai aparecer, ele vai”, e se o príncipe espinhento de fato não aparecer “não era para ser, este daí não era seu príncipe, era sapo mesmo”)... Enganação atrás de enganação.

Se Emma Bovary foi enganada pelos românticos que a levaram a crer que homens perfeitos e apaixonados de fato existem, as menininhas de hoje em dia e futuras mulheres de hoje em dia são enganadas por uma coisa chamada Walt Disney. Sim, por que eu sei que quando você era pequenininha te fizeram assistir um filme chamado A Pequena sereia. Então eu sei que você acha que no final o príncipe se casou com a pequena sereia e eles viveram felizes pro resto de suas vidas... Mas isso, minha gracinha, é tudo mentira. Se Disney resolveu alterar um pouco o conto de Andersen acredito que seja por que deve ter chegado à inteligentíssima conclusão de que nenhuma mulher ou princesinha gostaria de saber que a pequena sereia salvou o príncipe, que ela se transformou em humana através um muitíssimo doloroso procedimento para ficar com seu príncipe, que o príncipe prometeu casar-se com ela e que no final o f... do príncipe decidiu casar-se com outra fazendo com que a sereiazinha virasse espuma do mar.

O que significa que no final das contas a pequena sereia se ferrou, assim como outras heroínas dos contos de Grimm, Perrault e Andersen, que foram todos adaptados pela infeliz Walt Disney que por sua vez encoraja meninas indefesas a acreditarem numa mentira. Claro que são as mamães que contam essas histórias de príncipes e princesas para suas filhinhas, inclusive mães divorciadas, mães sem príncipes... E você pode ter certeza que a cética e desconfiada mulher de 20 anos também vai contar historinhas para sua filha desenvolvendo o lado “acredito em contos de fadas (leia-se: acredito em príncipes encantados)” de seu DNA.

Mas diga a verdade, por mais que você se revolte com suas decepções e jure nunca mais acreditar no príncipe e prometa jamais inculcar idéias malucas e mentirosas na cabeça da sua futura filha, não é um alívio poder acreditar nele, nem que seja por um segundo sequer? Talvez o príncipe não precise ser forte, bonito, corajoso, e honrado, talvez o príncipe seja simples e adoravelmente aquele que enxuga suas lágrimas no final de uma sessão de filme ruim... Talvez, mas não se mate se seu príncipe morre de rir a ver suas lágrimas ao invés de secar-las.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Columns 4- Um baile de máscaras

É raríssimo sairmos com nosso rosto verdadeiro para as ruas, simplesmente porque seria doloroso demais e ele voltaria cheio de cicatrizes. Por isso raramente expomos nosso verdadeiro “eu” para o mundo, ou uma pessoa sequer; é preferível ferir a máscara ao único e insubstituível rosto. Até mesmo a pessoa de cara amassada de sono e de domingo que vai buscar o jornal na banca está usando uma máscara. Não que seja um trabalho muito exaustivo, é mais um instinto; colocamos instintivamente nossa máscara ao sairmos do nosso espaço único e privado.

Temos um repertório imenso de máscaras adequadas para todos os tipos de situações: as máscaras cara de tou-pegando-meu-jornal-na-banca-num-domingo, cara de não-enche-no-metro-na-segunda, cara de este-sou-eu-sendo-simpático-no-primeiro-dia-de-trabalho, cara de este-sou-eu-sendo-chato-com-o-mala-qualquer-que-está-me-irritando, cara de este-sou-eu-impaciente-na-fila-do-macdonalds... São inúmeras caras e máscaras que utilizamos com pessoas desconhecidas, até mesmo com amigos, com chefes, colegas, com companheiros de fila, com atendentes do supermercado: sempre passamos uma imagem.

Agora, se sempre colocamos uma máscara, isso não significa que sempre temos a possibilidade de escolher com antecedência a máscara que vamos usar. Às vezes, a maioria das vezes, aliás, somos pegos desprevenidos e vestimos a máscara que nosso primeiro instinto manda; por isso que às vezes nos assistimos fazer papel de bobo, completamente impotentes e incapazes de fazer qualquer coisa a respeito dessa situação constrangedora e aflitiva. Claro que somos nós falando, mas através da máscara que colocamos e as palavras conforme ao personagem interpretado pela máscara não são exatamente as que gostaríamos realmente de dizer. Por isso nem sempre acreditamos no que fizemos ou estamos fazendo, mas é como se o mecanismo já estivesse ligado e só pudéssemos sair daquela máscara uma vez que a bateria tiver acabado. E lá vamos nós passando a imagem que não queríamos passar.

Mas não usamos máscaras porque somos hipócritas, nem apenas por que somos covardes e queremos preservar nosso “eu” puro e sincero para pouquíssimas pessoas, mas por que vivemos num mundo de aparências. Onde tudo é sobre o parecer e nada é sobre o ser.
Somos escravos das aparências. Não que isso seja inteiramente ruim, é claro, é o que permite que toda a sociedade funcione devidamente. Existe um acordo secreto que exige o respeito das aparências de todos por todos. As próprias regras de etiqueta são convenções que garantem o cumprimento das aparências: você pode não gostar da fulana-de-tal, mas vai agradecê-la pelo presente do mesmo jeito (afinal de contas ela também respeitou o código comparecendo à festa).

Regras de etiquetas não são flexíveis, você não as usa com quem quiser ou quando bem entender; elas não são relativas, são imperativas: você deve por que deve, e não há discussão possível por que se você por acaso não agradecer quando tiver que agradecer você está errado, não importa o que a pessoa fez para merecer isso, você errou. Mas isso é apenas um parêntese sobre um assunto também muito importante, mas que não é o tema da coluna de hoje.

Voltando às aparências. Somos sim escravos das aparências e nossa vida toda se desenrola tendo como plano de fundo as aparências. Passamos uma imagem de acordo com a circunstância e nosso humor, mas isso por que ninguém se mostra nu: mostramos-nos mascarados. E é por isso que tudo funciona, por que chegamos a conclusão de que todos nós mostramos a mesma coisa: a máscara. O que é curioso é que exibimos uma máscara até mesmo para pessoas com quem não estamos conversando e nem pretendemos conversar: num restaurante, por exemplo, estamos passando uma imagem não apenas para as pessoas na nossa mesa, mas também para os garçons e os outros clientes do restaurante. E temos plena consciência disso, sabemos que podemos estar sendo observados, ouvidos, julgados.

Ai está: o julgamento. Eis o motivo da máscara. Se julgarem você, ao menos é uma de suas numerosas máscaras (que, claro, é parte de você, mas não você inteiro). Shakespeare costumava analisar essa questão do parecer em suas peças de teatro. Quando Mercúcio de Romeo e Julieta diz:

“Alcancem-me algo com que esconder meu rosto! Uma máscara para outra máscara! Que importa que os olhares alheios e curiosos observem minhas deformidades? Aqui está a carranca que irá envergonhar-se por mim!”

Releiam o que nos diz mestre Shakespeare: vale mais do que ouro.

Escondemos nossas deformidades e deixamos apenas as pessoas que amamos profundamente verem-nas profundamente. Nós mesmos chegamos a nos assustar com nosso ser. Como estamos mais acostumados a exercer o parecer do que o ser, temos mais facilidade em conviver com nosso parecer. Já o ser, vem acompanhado de muitas surpresas, medos, inseguranças, e descobertas magníficas... Que alegria podermos nos esconder e defender dos olhares que tanto gostam de julgar!... Vivemos num constante, belo e eterno baile de máscaras. Mas e que alegria sentimos ao despir nossa máscara, e finalmente deixar respirar nosso próprio e incompreendido “eu” e mostrá-lo apenas para quem julgamos merecedor e corajoso o suficiente!...

quinta-feira, 11 de março de 2010

Columns 3- Já aconteceu de você não querer que uma risada acabe?

Às vezes passamos um bom tempo sem rir. Tempos em que apenas sorrimos. Não porque estamos descontentes ou infelizes, mas apenas por que não estamos exatamente felizes. Quando chegam esses tempos de sorrisos, é comum não percebermos. Simplesmente nos esquecemos de rir...

Não que o sorriso seja negativo. Ele só não expressa a mesma coisa que uma risada, por exemplo. Risadas tendem a ser mais espontâneas. Não que um sorriso não seja autêntico, pelo contrário, mas em geral sorrisos vêm acompanhados de medidas.
Sorrisos se adaptam a ocasiões e situações. Existem vários tipos de sorrisos: os forçados, os sinceros, os abertos, os de boca fechada, os de lábio, os de canto de boca, os tortos, os amarelos, os felizes e os apropriados. Raramente um sorriso é descontrolado. Por mais sincero que seja ele é cuidadosamente estudado e executado com um objetivo preciso, claro e pré-imaginado, um sorriso charmoso, por exemplo, que tem o intuito de mostrar-se simpática, bonita, interessada e possui um objetivo muito claro: a sedução.

Já, a risada, vem de dentro. Do ponto mais sincero do ser. Por isso que elas são tão difíceis de fingir: elas são honestas. É difícil fingir uma risada. Um sorriso até que vai, mas a risada é única. O bom de uma gargalhada é que cada gargalhada é cem por cento única. Você pode ter certeza absoluta que jamais produzirá a mesma risada em toda sua vida: com as mesmas pessoas, no mesmo tom, mesma altura, mesma nota, mesma disposição, mesma graça, alegria, sarcasmo, medo, nervosismo, tanto faz. A risada é uma só e não se repete jamais.

Enquanto o sorriso se repete. Não é sempre o mesmo, claro. Mas cada pessoa vem com um estoque de no mínimo três sorrisos: o sorriso triste, o sorriso alegre e o sorriso educado. Já a risada não funciona assim. Ela não pode ser classificada, ela simplesmente acontece. E é justamente aí que se encontra toda a beleza do riso: ele nasce e morre quase instantaneamente, mas, às vezes, ele ecoa para sempre de tão impactante que é.

Quando você fica muito tempo sem rir, você normalmente só se dá conta disso quando ri novamente. É como se você percebesse que sentiu saudades da sua própria risada no instante em que você a ouve saindo de sua boca. E nesses casos, você não quer para de rir. Por que o momento da risada é um momento de paz interna total. Momento em que todos os problemas desaparecem e que se vive unicamente o presente. E que se vive plenamente o presente. De corpo, mente, tudo. Seu corpo inteiro está implicado no riso, o coração acelera, sua respiração ofega, sua barriga machuca fazendo abdominais, suas bochechas doem de tanto rir e seus olhos se fecham um pouco. Sua mente para de pensar por um instante esquece o passado e para de pensar no futuro e até mesmo de pensar no presente: ela para de pensar e apenas SENTE. Ela se contenta em viver.

O riso é um dos poucos momentos em que nos encontramos em perfeita harmonia com nós mesmos. E às vezes acontece de não querermos que a risada acabe: seja por que fazia tempo demais que não se sentia essa adrenalina gostosa do riso, seja porque queremos mais tempo longe dos nossos pensamentos...

Mas o fato é que quando uma risada é a primeira depois de muito tempo ela pode até
se tornar inesquecível. Não queremos nunca que ela acabe, por que ela é sincera, autêntica e alegre, por que ela nos faz esquecer os problemas e das tristezas, e por que por um minuto ou segundo que seja, a risada consegue nos fazer pensar que somos seres imortais e felizes sem a angustia da vida com prazo de validade, e a busca desenfreada de um sentido que explique uma vida tão curta. Porque percebemos por um breve momento de lucidez que a vida é uma risada. Uma risada deliciosa, fugaz, dolorida, impetuosa, maravilhosa, e única.