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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Pensar ou não pensar, eis a questão

A cidade de Atenas valorizava acima de tudo o ato de pensar. Foi a importância atribuída a esta atividade que permitiu o nascimento da tão conhecida democracia ateniense. Este incentivo à reflexão também contribuiu para o desenvolvimento de importantes filósofos como Sócrates e Platão. De fato, um bom ateniense devia possuir uma quantidade generosa de escravos que lhe permitisse levar uma vida dedicada ao pensamento e não ao trabalho. Os escravos trabalhavam, e os mestres tinham tempo para pensar. Tal era a lógica ateniense.

Hoje em dia o nosso uso da tecnologia tende a diminuir consideravelmente o tempo que dedicamos aos nossos pensamentos. É verdade que estamos raramente sozinhos, e quando o estamos de fato apelamos depressa para computadores, televisões, livros, filmes, Ipods, e nossos amigos personagens de séries americanas. Você pode até ficar duas horas sozinho no seu carro, mas ao invés dedicar este tempo aos seus pensamentos, você acha preferível concentrar-se na música insuportavelmente irritante daquele pivetezinho metido a artista, dos espertos Black Eyed Peas, ou então dos velhos, porém imbatíveis, Beatles. E quando você se encontra na sua cama atormentado por uma terrível insônia, você resolve encontrar-se com seus amigos Henrique VIII da Inglaterra, Carrie, ou então Dr. House (embora depois de um certo tempo na companhia deste último amiguinho seja mais provável que você não consiga voltar a dormir, desta vez atormentado por pensamentos hipocondríacos).

Na Antiguidade grega o correto era pensar. Arrumavam-se escravos para que os mestres pudessem ter mais tempo livre e usá-lo para refletir. Hoje em dia, não se pode negar que os homens andam ocupados demais para pensar, e quando surge um momento livre raramente o usamos para este fim. Pensar demais, ou pensar de menos, qual dos dois extremos é melhor, ou pior?

Parece difícil encontrar um equilíbrio saudável. Entre os gregos dedicados unicamente a reflexão metafísica e os indivíduos das sociedades ocidentais do século XXI apressados demais para dar ouvidos aos seus pensamentos, o que devemos escolher? É claro que à primeira vista pode parecer mais preocupante o caso no qual se enquadra nossa sociedade atual. Afinal de contas, se as pessoas deixassem, por cinco minutos, de ouvir seus Ipods e se concentrassem minimamente para analisar uma determinada situação, um determinado discurso, um determinado artigo de jornal, ou até mesmo um determinado capítulo de novela, o senso crítico dos indivíduos de hoje aumentaria consideravelmente tornando as pessoas mais interessantes e menos manipuláveis e idiotas.

Porém, não se pode negar que pensamentos podem ser assustadores. De qual outra maneira justificamos o fato dos nossos sonhos serem tão enigmáticos quando, na verdade, poderiam ser perfeitamente compreensíveis? Logo no início do século XX, Freud descobriu que nosso sistema psíquico possui uma censura, que cuida da delicada e importantíssima tarefa de dissimular sonhos. A censura transforma as pessoas, os lugares com os quais você sonhou, e efetua elipses de modo que seu sonho se torne algo leve ou completamente incompreensível. Assim, você acorda atordoado tentando entender o que você estava fazendo num shopping com seu avô que de repente se transforma na sua melhor amiga que pergunta apressadamente se ainda há salmão na geladeira que subitamente se materializou no saguão do shopping, transformando-o instantaneamente na cozinha da sua mãe. Pois bem, você provavelmente não estava sonhando nem com seu avô, nem com sua melhor amiga, a censura se encarrega de mascarar pessoas e lugares de modo que você não consiga entender com o que estava sonhando: existem coisas que simplesmente não devemos saber sobre nós mesmos, pensamentos que nos enlouqueceriam caso soubéssemos que fazem parte de nós. Se nosso próprio inconsciente cuida para que certos pensamentos nunca nos sejam revelados, isso significa que pensar pode ser perigoso e assustador.

E de fato, não há momentos em que você pensa demais? Sabe aqueles “breves” minutos em que você espera pelo seu namorado no metrô e acaba pensando um pouquinho além do que deveria? Em geral, após esses breves instantes onde seus pensamentos voam longe demais, você se sente levemente melancólico. Você pode ter pensado em qualquer coisa, não importa. Você pode muito bem ter pensado nos mendigos que morrem de frio no inverno porque não tem onde dormir, e meu, que coisa mais absurda e triste, ou você pode ter relembrado a morte de um parente querido do qual você sente uma imensa saudade, ou até mesmo de detalhes mais supérfluos do seu cotidiano, como o comentário maldoso de uma pessoa desagradável, ou a briga que teve com sua amiga. Não importa, o resultado é o mesmo: você pensou demais, e agora está triste.

Alguém certa vez disse, « Heureux les simples esprits ». Expressão francesa que pode significar muitas coisas, inclusive: felizes são aqueles que não pensam. Verdade que, de acordo com o Voltaire, se você pára por alguns minutos para pensar no mundo e nas suas desgraças, não tem jeito que você seja feliz. Quer dizer, a menos que você seja uma pessoa muito hipócrita que consegue aplicar uma técnica de distanciamento brechtiano ao mundo real; ou seja, considerar que as misérias do mundo não passam de coisas acontecendo num palco a milhões de quilômetros de distancia de você, e você está apenas assistindo e isso não pode afetá-lo. Aliás, pensamentos que giram em torno da degradação e corrupção da raça humana, do aquecimento global e da extinção de muitos bichinhos fofos e agradáveis, da pobreza atordoante e fome na África, não são os únicos a gerar angústia. Se você parar dois segundos para refletir sobre si mesmo, a probabilidade de você ficar muito deprimido é alta. Pô, você é um monstro. É sério.

É claro que por outro lado, existem aqueles que alegam preferível ser um Platão miserável a um bobo feliz. É melhor sofrer do que ser sujeito a ignorância completa. O que seria de nós sem as brilhantes mentes que pensaram e fizeram o mundo evoluir? Matemáticos, filósofos, arquitetos, sociólogos, médicos, historiadores, físicos, artistas mudaram o mundo, as sociedades e as mentalidades. É essencial exercitar a mente, pensar, refletir sobre si mesmo, os comportamentos do ser humano, os problemas geopolíticos, os debates bioéticos, as questões metafísicas, soluções para o trânsito, e propaganda política... Os seres humanos precisariam analisar mais as coisas, ter um senso critico mais apurado combinado com cultura suficiente a fim de saber quando os outros as estão chamando de idiotas, ou mesmo falando besteira.

Mas isso não é tudo, é preciso sair um pouco do individualismo exacerbado onde vinte pessoas se encontram no mesmo vagão ouvindo vinte músicas diferentes cada um isolado por seu próprio Ipod, e colocar as pessoas para pensar um pouquinho, só um pouquinho. Como alguém pode considerar-se realizado sendo completamente alienado? Não exercitar a mente e a reflexão emburrece.

Porém, se relutamos tanto em deixar nossos Ipods é justamente porque nos assustamos com o que podemos ouvir dentro de nós. Uma vozinha crítica que antecede o remorso, por exemplo. O autoconhecimento é uma empreitada assustadora, que muitos preferem ignorar; enxergar o mundo e suas desgraças também exige muita coragem. Como é possível sobreviver pensando o tempo todo? Não dá. Pensar faz mal: entristece e enlouquece. É por essa razão que deixar uma pessoa sozinha em frente a uma parede branca é uma tortura emocional aterrorizante: o indivíduo enlouquece com seus pensamentos.

E então, pensar ou não pensar, eis a questão? Alienar-se ou enlouquecer-se?

Talvez o certo seja simplesmente tentar encontrar um equilíbrio saudável entre o pensar de menos e o pensar demais. Entre a alienação e burrice, e a exageração da racionalidade e do pensamento. Parar um pouquinho para pensar, tirar o fone do ouvido durante alguns momentos ou desligar a tevê para pensar sobre os acontecimentos do dia, o que eles revelam sobre nós e sobre a nossa sociedade, como está o mundo.

Mas não exagere; quando estiver soterrado pelos seus próprios pensamentos, deprimido no seu quarto, pelo amor de Deus, pare de pensar. Vá correr, pense apenas em colocar um pé na frente do outro, sinta o vento, esqueça de tudo, das pessoas, das estrelas e da água. Pense no mais simples: não pense. Viva. Sinta seu corpo, suas emoções, a energia presa em você aflorar e libertar-se. Sinta. Não pense mais no que você é, simplesmente seja.

3 comentários:

Unknown disse...

Olá,

um amigo teu me recomendou esse blog. Li o artigo mais recente, muito bom, e vc escreve bem. Só acho que vc deveria aumentar essa fonte. Pois a primeira vista quase fechei o site :p e os ultimo parágrafos nem li direito, fui direto pro ultimo. Aí n sei se é a fonte, o tamanho, ou o contraste com a cor de fundo.

Enfim, muito bom o blog, é difícil encontrar pessoas que pensam assim hj em dia. Sobre as pessoas alienadas, elas n são assim por opção, cabe a nós tentarmos ajudá-las a enxeragar, é difícil, mas n custa tentar.

Falo isso pq tbm era assim, ainda sou, mas bem menos :p

ps: gostei do "quotidiano" rs

Anônimo disse...

As pessoas se alienam pra fugir dos problemas...eles acham que coisas materiais podem resolver os problemas. Porem isso pode levar ao vicio e criar um outro problema...O texto ta muito bem redigido com bastante ideias e referencias interessante muito bem organizadas !!

khalil disse...

somos todos monstros la no fundo, com certeza. a grande sacada do homem é se esconder para se preservar. a questão é nos deveriamos, mas podemos "fazer" os outros enchergarem? acredito que isso é alienação. o unico responsavel pela felicidade é o próprio individuo que a cultiva. tata parabéns, me perdoe mas serei o chato eterno sobre qualquer criação sua. ficou muito bom! mal posso esperar a proxima coluna.